2024 RESCUE | Fonseca Macedo Gallery, S.Miguel, Azores
text relatedRescue: o sustentável peso do mundo
No início era o mar. O projecto de Tomaz Hipólito (n. 1969) – Rescue – remete-nos para uma acção de resgate, recuperação, ou mesmo revitalização. Possivelmente, o seu início situa-se num acto de contemplação da rebentanção sincopada das ondas, de resto, visível na peça de vídeo, a ser performativamente intervencionada pelo artista. Todas as restantes obras apresentadas nesta exposição, das quais destacamos os ondulantes e sensoriais pedaços de madeira, parcialmente pintados de negro, ou as ossadas esculturais de animais, ou ainda os pequenos blocos de betão polidos pela água, constituíndo uma pedra em trompe l’oeil, vieram do mar e foram aí recolhidas, ou resgatados. Ou seja, existe claramente um ponto de origem e outro de chegada destes objectos, que pelo meio conhecem processos de transformação, capazes de lhes modificar a materialidade, a ontologia e o sentido, tonando-os agora, e apesar de ainda reconhecíveis na sua génese, obras de arte.
Naturalmente que esta proposta, e na linha de outras já apresentadas por Hipólito, tais como Devolution (Carpintarias de São Lázaro, 2021), se localiza na problematização da trilogia ser humano, arte e Natureza. Eventualmente, ainda se poderá aqui acrescentar a tecnologia. Na verdade, torna-se inevitável a referência à designada era do antropoceno, que nos faz reflectir sobre o impacto das acções do ser humano no clima e nos ecossistemas, temendo-se pela sustentabilidade do planeta e pelo colapso ecológico iminente. Trata-se de um termo popularizado, entre outros, pelo cientista Paul Crutzen, nos anos 90 do século XX, e que resumidamente adverte para o resultado do aquecimento global, para a escassez de recursos naturais e para as consequências graves da intervenção do Homem na Natureza. E, como seria expectável, esta realidade tem implicações nos discursos artísticos e tóricos, assim como nas obras e nas exposições que sobre estas questões se debruçam, destacando-se a expoisção seminal Fragile Ecologies: Contemporary Artists’ Interpretations and Solutions (The Queens Museum of Art, Nova Iorque, 1992), com curadoria de Barbara Matilsky.
Mas outra questão, neste contexto do antropocénico, merece referência. Segundo Irmgard Emmelheinz (Art in the anthropocene. Encounters among aesthetics, politics, environments and epistemologies, 2015) entre outros autores, vive-se uma mudança radical nas condições de visualidade, ou seja, a criação de um novo ponto de vista do qual as imagens e os objectos fazem parte. Passa-se da “representação” para o “estar presente”. Este conceito de presença, completamente distinto de reprentação, é outro aspecto relevante no trabalho de Tomaz Hipólito, operando um sintetismo singular e elegante entre o elemento natural e o modificado, através da pintura negra, por exemplo, e nestas obras visível. No final, é o mar, visualmente infinito, onde o rescaldo da vida vai culminar, mas que, através da arte, pode fazer um novo objecto surgir, num círculo desejavelmente promissor, humanizado e esteticizante.
Isabel Nogueira
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